Mar 28, 2024

O ódio como elemento de coesão e a retomada de políticas fascistas



Em 2018, com a eleição de Jair Bolsonaro, o Brasil passou a integrar os países no mundo que elegeram representantes populistas ligados a extrema direita, que possuem em sua plataforma de trabalho, proposições que afrontam a Declaração Universal dos Direitos Humanos. O documento produzido pela Organização das Nações Unidas, em 10 de dezembro, de 1948, é o principal referencial de contrato social das sociedades ocidentais contemporâneas e representa um marco civilizatório para a humanidade. Foi redigida após a segunda guerra mundial e serviu de referência para a diversas constituições nacionais, entre elas a do Brasil.

O crescimento de partidos com perfis de extrema direita também ocorreu em diversos países no mundo. Nas Filipinas, desde 2016, com a eleição de Rodrigo Duterte[1], o país enfrenta acusações junto ao o Tribunal Internacional[2] de violações de direitos humanos promovidas por execuções extrajudiciais ligadas diretamente a política implementada pelo presidente filipino. Em sua carreira política, Rodrigo Duterte foi prefeito da cidade de Davao por décadas. Em sua experiência de gestão, Rodrigo foi bem avaliado, apesar de ter sido acusado de liderar um grupo que promovia execuções extrajudiciais chamado de “esquadrão da morte”, responsável por cerca de mil assassinatos. Uma campanha política focada no populismo de direita, com perfil fascista, em que um determinado grupo passa a agir independentemente dos processos legais e assume o Poder.

A tendência política anti-humanista e autoritária também pôde ser percebida na Turquia, onde o presidente Rocep Tayyip Erdogan[3], eleito em 2014, trocou o sistema político de governo de Parlamentarista para Presidencialista. Coma ampliação do poder, também se ampliaram as ações nacionalistas e a marginalização de minorias étnicas, tais como os curdos, apostando na política do confronto e da violação dos direitos humanos. Na Hungria, desde 2010, o primeiro ministro Viktor Orbán, que integra o partido conservador Fidesz[4], logrou vitória com ampla vantagem eleitoral. Seu sucesso nas urnas legitimou a adoção de políticas anti-imigração e o aumento da xenofobia. Seu governo também passou a ser alvo de denúncias de corrupção, de afronta às liberdades civis e de violar os direitos humanos das minorias. A mudança na composição da Suprema Corte húngara, que passou de oito integrantes para 15, concedendo ao partido de Orbán o poder de nomear juízes, tornou ainda mais evidente a denúncia que cai sobre o governo de desconstituir o processo de independência judicial no País.

Os posicionamentos nacionalistas e anti-humanistas são construídos em torno do ideal de segurança e proteção. Esses signos que permeiam as plataformas da extrema direita deram popularidade às políticas anti-imigração em diversos países, em todos os continentes, potencializando a ascensão de líderes populistas ligados a extrema direita. Crises locais, a exemplo do conflito na Síria[5], contribuíram, na última década, para o fechamento de fronteiras, ampliando a pressão sobre diversos países e criando uma das maiores crises humanitárias[6], segundo a Organização das Nações Unidas.

A ascensão de partidos de direita, com perfil populista e nacionalista afetou a política de diversos países, a exemplo da Polônia, Áustria, Suíça, Dinamarca, Noruega, Espanha, França e Inglaterra. Com o aumento das políticas nacionalistas, emergiram também os discursos contra a união europeia, redesenhando os blocos econômicos internacionais. O Reino Unido pautou sua política em torno do tema e favoreceu a vitória eleitoral, em 2019, de Boris Johnson, líder do Partido Conservador, que defendeu a proposta de ruptura do Reino Unido com o bloco europeu. Ainda na comunidade europeia, o partido conservador de direita Lei e Justiça (PiS), da Polônia, governa o país com ampla maioria no Parlamento e é conhecido, entre especialistas, como um partido que emerge da aliança entre o neonacionalismo e neofascismo.

O populismo alinhado aos setores conservadores passou a ter outras dimensões internacionais a partir da eleição de Donald Trump, como Presidente dos Estados Unidos, em 2016. Uma eleição emblemática, que trouxe novos termos ao vocabulário político, a exemplo das fake news e o ataque a imprensa, que se tornam características que permeiam a ação política dos demais líderes da extrema direita. Trump sustenta o discurso nacionalista, que reforça a polarização da sociedade com fortes ataques a seus oponentes, tal como procedeu quando efetivou o pedido de prisão de sua oponente política Hilary Clinton. Em sua gestão, Donald Trump retoma nos Estados Unidos a política externa conhecida como America first[7].  

O avanço das políticas conservadoras e nacionalistas associadas as posturas autoritárias, legitimam ações violentas dos órgãos de repressão. A violência policial, a tortura, o assassinato são sistematicamente legitimados na “guerra contra o inimigo”, tal como ocorreu no período posterior a Segunda Guerra Mundial, também conhecido como Guerra Fria[8]. No Brasil, com forte influência de Donald Trump, Bolsonaro organiza seu governo com a proposta de “destruir tudo”, que tenha sido produzido pelos seus oponentes políticos, responsáveis em transformar o Brasil em um País “socialista”, tal como manifestou na Assembleia Geral das Nações Unidas, no dia 24 de setembro, de 2019.

“Apresento aos senhores um novo Brasil, que ressurge depois de estar à beira do socialismo. Um Brasil que está sendo construído a partir dos anseios e dos ideais de seu povo. No meu governo, o Brasil vem trabalhando para reconquistar a confiança do mundo, diminuir o desemprego, a violência e o risco para os negócios, por meio da desburocratização, da desregulamentação e em especial, pelo exemplo. Meu país esteve muito próximo do socialismo o que nos colocou numa situação de corrupção generalizada, grave recessão econômica, altas taxas de criminalidade e de ataques interruptos aos valores familiares e religiosos que formam nossas tradições”.

Ainda em seu discurso, Bolsonaro atacou seus oponentes políticos acusando a gestão do Partido dos Trabalhadores de produzir trabalho escravo na constituição do Programa Mais Médicos, desenvolvido em acordo com Cuba. Em sua acusação, faz questão de salientar que o trabalho escravo era aceito pelas entidades que representam os direitos humanos no Brasil, estendendo o espectro político da natureza de seu inimigo para além dos socialistas ao incluir os defensores dos direitos humanos. O rompimento do acordo com Cuba foi festejado em seu discurso como uma conquista do Brasil. Também fez ataques à Venezuela afirmando que os países tinham colaboração secreta na área da defesa nacional para a implantação de regimes socialistas. Nesse quesito, se disse aliado dos Estados Unidos para restabelecimento da democracia na Venezuela. Desde então, o presidente brasileiro tem se manifestado sistematicamente favorável a intervenção dos Estados Unidos na Venezuela. Logo disparou a frase “não pode haver liberdade política, sem que haja liberdade econômica”, e defende o livre mercado, privatizações e concessões no Brasil, em seu governo.  Bolsonaro reclamou da postura da imprensa internacional pela cobertura dos incêndios na Amazônia, qualificando o setor como imprensa sensacionalista. Para se legitimar perante as autoridades mundiais, o presidente brasileiro levou a índia Yasani Kalapalo, acompanhada de uma carta supostamente assinada por pessoas de sua aldeia, que legitimaria sua participação por uma nova política aos indígenas. Em seguida, afirmou que não irá ampliar as demarcações indígenas e atacou lideranças políticas já consolidadas no mundo, afirmando ter dado fim ao “monopólio do Cacique Raoni Metuktire[9]”. O presidente brasileiro encerrou seu discurso afirmando que seus adversários políticos corromperam as universidades brasileiras, as escolas e as empresas midiáticas do Brasil com sua ideologia. “A ideologia invadiu a própria alma humana para dela expulsar Deus e a dignidade com que ele nos revestiu, deixando um rastro de morte, ignorância e miséria por onde passou”. Depois disse ser a própria prova de suas afirmações, por ter sobrevivido a um atentado promovido por um militante de esquerda e que só sobreviveu por um “milagre de Deus”.

Existem muitos problemas em relação ao discurso de Bolsonaro na Assembleia Geral da ONU, que apontam para uma postura política defasada e paranoica, quando remonta a polarização entre socialismo e capitalismo, que perdeu a ênfase com a queda do muro de Berlin[10] e o fim da União Soviética. O conjunto de símbolos presentes em sua manifestação, a exemplo da participação de uma índia para legitimar suas ações predatórias na Amazônia, estão distantes de qualquer motivação de cooperação entre os povos. Pelo contrário, criou obstáculos e confusões culturais que se desdobraram em um genocídio em curso das tribos indígenas, com o avanço do desmatamento ilegal na Amazônia. Seu pronunciamento acentuou suas posições políticas, que remontam os preceitos da política fascista, mas com características atualizadas. Os ressentimentos de forma generalizada, tais como os que ocorreram em decorrência das guerras mundiais, podem ser enfrentados a partir da cooperação, tal como defende a Organização das Nações Unidas. No entanto, também podem se transformar em ódio que alimenta preconceitos como o racismo, a homofobia, a xenofobia, que são as bases para tecer o fascismo tropical amplamente explorado por Bolsonaro.

O fascismo é uma ideologia política de extrema direita ultranacionalista e autoritária, que ganhou grande destaque na Europa, na primeira metade do século XX. É uma ideologia contrária ao marxismo, ao liberalismo e ao anarquismo. Defende o estado autoritário governado por um líder militarizado. Compreende a guerra, a violência como um meio para rejuvenescer a nação, com políticas que promovem o melhoramento da espécie e a eugenia. O Nazismo de Hitler na Alemanha e o Fascismo de Mussolini na Itália, são as experiências mais marcantes do fascismo nesse período.

Após duas guerras mundiais, a comunidade internacional criou, a partir da Liga das Nações[11], a Organização das Nações Unidas, que é uma organização intergovernamental que tem por objetivo principal promover a cooperação entre os países. A política de cooperação se fundamenta em princípios contratualistas[12], constituindo e influenciando os princípios da ação política, em que a principal virtude é a cooperação entre os povos para o melhor desenvolvimento humano.  A cooperação com elemento de coesão social, amplamente difundida em tratados internacionais promovidos pela ONU, em que o Brasil é signatário, passou a influenciar o espectro da política no Brasil. A Constituição Brasileira de 1988, em seu artigo 5º afirma os valores de igualdade e dignidade presentes e positivados na Declaração Universal dos Direitos Humanos. 

Em uma síntese breve, podemos compreender que a política da cooperação pelo pleno desenvolvimento dos povos foi a alternativa criada para contrapor o espectro do fascismo no mundo. Na prática, a política da cooperação prioriza a construção de pontes, sejam elas tecnológicas, culturais ou físicas que permitem a comunicação entre povos apartados por algum obstáculo, seja físico ou cultural. Já o fascismo, na prática, prioriza a construção de muros, de obstáculos que impeçam algum inimigo externo agir em determinado território. Um inimigo que precisa ser eliminado para que o bem maior prevaleça. O que permeia e permite a coesão da atual política fascista em curso no Brasil é o afeto do ódio, que pode se desdobrar em diversas frentes coesas e dispostas à guerra. Ao julgar as manifestações do atual presidente e sua predileção ao fascismo, o Brasil tende a enfrentar períodos de “construção de muros” tecidos com ódio e preconceito que tendem a agravar as violações de direitos humanos, além do ataque predatório ao meio ambiente.

*Charles Scholl é jornalista e autor do Blog https://charlesscholl.blogspot.com/

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

1)       ARENDT, Hannah. O que é Política. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil. 2002.

2)       BARBOSA, Giovanna Galvani Catarina. Carta Capital. 5 Países que embarcaram na rota autoritária da extrema-direita em 2019. 2019. Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/mundo/5-paises-que-embarcaram-na-rota-autoritaria-da-extrema-direita-em-2019/>. Acesso em: 15 de maio. 2020.

3)       BETIM, Felipe e MARREIRO, Flávia. El Pais. O discurso de Bolsonaro na ONU, analisado e confrontado com dados. 2019. Disponível em:<https://brasil.elpais.com/brasil/2019/09/24/politica/1569340250_255091.html>. Acesso em: 15 de maio. 2020.

4)       BRAY, Mark. ANTIFA: O Manual Antifascista. São Paulo: Autonomia Literária, 2019.

5)       HOBBES, Thomas. O Leviatã.

6)       MIGUEL, Luiz Felipe...[et al]. O Ódio como Política: a reinvenção da direita no Brasil. 1ª Edição. São Paulo: Boitempo Editorial, 2018.

7)       ROUSSEAU, Jean Jacques. Contrato social. Tradução de Pietro Nassetti. 3ª reimpressão. editora Martin Claret. 2010.

8)       SANZ, Juan Carlos. El País. ONU Alerta para o maior êxodo de civis sírios desde o início da guerra. 2020. Disponível em:< https://brasil.elpais.com/brasil/2020-02-18/onu-alerta-para-o-maior-exodo-de-civis-sirios-desde-o-inicio-da-guerra.html>. Acesso em: 15 de maio. 2020.

9)       WELLE, Deutsche. Onde o populismo de direita está no mundo. 2018. Disponível em:<https://www.dw.com/pt-br/onde-o-populismo-de-direita-est%C3%A1-no-poder-no-mundo/a-46065697>. Acesso em: 15 de maio. 2020.

 

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